Todos serão famosos por 15 milissegundos
Sobre a dificuldade de se manter atualizado com tantas novas celebridades
Nos últimos dias morreram umas celebridades que meio que me trouxeram certo alívio. Não que eu quisesse que tivessem partido mais cedo, não que me incomodasse dividir o planeta com elas. Pelo contrário. O alívio veio porque eu os conhecia. Até admirava, mas não vem ao caso. O ponto é que eu sabia quem eram. Não tem sido raro ficar sabendo da passagem de famosos que eu nem sabia quem eram. Eu poderia dar uma de superior e falar que eram meras subcelebridades, que estavam fora do meu refinado radar. Mas já passei do tempo em que ensaiava me orgulhar de ignorância, pois isso muitas vezes só mascara o constrangimento de estar por fora de algo que não faz mal saber. Até hoje me envergonho de uma aula na faculdade, nos anos 90, em que zombei do computador que o professor nos apresentou, me orgulhando de não saber nem onde ligava aquele troço, como se ele nunca viesse a ser importante um dia.
Não que hoje eu fique envergonhado por não conhecer um famoso que morreu, ou que sofreu um acidente grave ou que foi preso, ou mesmo um que foi preso por causar um acidente grave que matou alguém. Não chego a tanto. Mas me bate sim uma preocupação. Pessoas da minha idade, da geração X, tomavam conhecimento de uma gama de celebridades reveladas por meios bem restritos, que fazia um bom controle em termos de quantidade (nem tanto por qualidade, não vamos nos enganar). No Brasil, a celebridade da música tinha que vir das rádios. O ator ou a atriz famosa estava na TV (e se estava no cinema, passou primeiro pela TV), com sua meia dúzia de canais. A celebridade também podia vir do esporte, quase sempre do futebol, com um vôlei ou basquete de brinde. E de vez em quando pintavam umas modelos. Tá, tinham também os políticos, que às vezes eram famosos antes de ganhar votos (em proporção menor que atualmente). E até mesmo algumas celebridades podiam passar do seu lado e você não reconhecer. Tive uma namorada que se deu ao luxo de evitar conhecer o rosto de Luis Fernando Verissimo por anos, ficando bem aborrecida quando um dia mostrei sua foto no jornal.
Mas por que devemos nos preocupar por não estarmos atualizados sobre novos famosos? Pesquisas mostram que as pessoas param de gostar de novas músicas por volta dos 30 anos, se acomodando com os músicos ou mesmo os gêneros que conheceram até então. E isso seria porque tudo que foi composto depois é uma porcaria? Ou seria porque simplesmente os indivíduos ficam menos inclinados a ter novas experiências? No cinema, podemos justificar o desprezo por novos sucessos de bilheteria por falta de aprofundamento no desenvolvimento de personagens, excesso de clichês, apego a fórmulas etc. Mas será que também não há muito de rejeição ao ritmo diferente dos filmes modernos ou simples mudança no estilo de narrativas, que não são necessariamente algo negativo? O quanto ignoramos ou olhamos de cara feia apenas para ficarmos deitados aconchegadamente na nostalgia? Será que só queremos ficar quietos na nossa zona de conforto?
Para piorar, é muito difícil tentar ficar em contato com tanta celebridade, independentemente da (nossa opinião sobre) qualidade delas. Porque hoje não há só o rádio, a TV e os jornais. Os famosos jorram pelo streaming de música, pelos vídeos na internet, pelas redes sociais, pelos múltiplos esportes (até não-olímpicos), pelos virais. Mesmo os veículos antigos, como a televisão, passaram a criar atrações em que o objetivo é criar novas celebridades, como os reality shows. Já tivemos 25 edições do Big Brother Brasil. Foram mais de 420 participantes (você colecionaria esse álbum de figurinhas?). Todos projetados para a fama, ou para manter a fama do programa, quando celebridades já formadas foram admitidas na competição. Até a IA está cuspindo celebridades. A gente enjoou de falar “famoso” e criou o “influencer”, que muitas vezes nem influencia ninguém, é só gente conhecidinha mesmo.
Mas nosso maior estresse talvez não seja a condenação à ignorância sobre as novas celebridades. Podemos incluir no pacote o medo de nós mesmos nos tornarmos famosos, involuntariamente. Uma manifestação infeliz numa postagem, uma mensagem vazada, uma foto indiscreta, um vídeo flagrante pagando mico, uma opinião “errada”, um textão indigesto, uma newsletter falando besteira... Pronto! Você pode ser o novo famoso da vez, por 15 minutos, por 15 dias, por 15 semanas... Mas calma. Muita gente talvez nem fique sabendo. É coisa demais para acompanhar. É gente demais para aparecer.
Hoje, se você precisasse mostrar a alguém a cara do LFV sem levantar maiores suspeitas, só seria necessário mostrar o Mark Knopfler...
https://igormiranda.com.br/wp-content/uploads/2023/02/david-gilmour-mark-knopfler-2023-pb.jpg